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sexta-feira, 27 de março de 2015

MÚSICA E PROTESTOS: OS EMBALOS SONOROS DAS RUAS DO BRASIL

Luta pela democracia teve a MPB e a música latino-americana como inspiração
O processo de construção da democracia no Brasil, ainda em curso, é marcado por movimentos musicais que acompanharam as transformações políticas.

Em cada grande momento histórico, um “hino” embalou as mobilizações, traduzindo em canto as pulsações do povo nas ruas.

Nos anos 60, influenciados pela contra-cultura, os movimentos de resistência à ditadura militar transformaram o clássico de Geraldo Vandré, “Pra não dizer que não falei das flores”, em símbolo sonoro da democracia.

As passeatas, greves e manifestações eram embaladas pelo refrão “Caminhando e cantando e seguindo a canção...”.

FESTIVAIS

A influência da música latino-americana, através de Mercedes Sosa, Pablo Milanés, expressava no Brasil o sonho de liberdade continental.

Os festivais brasileiros que revelaram Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso fizeram a cabeça da juventude rebelde que prosseguiu na luta pela consolidação da democracia.

As letras da safra MPB, com críticas e ironias à ditadura, eram o alimento sonoro da militância para as marchas, comícios, passeatas e na luta armada.

Na campanha das "Diretas Já!", a música "Coração de estudante", interpretada por Milton Nascimento, marcou as mobilizações de rua, bem como o hino nacional cantado por Fafá de Belém.

Nos anos 1980, o rock nacional transformou em palavra de ordem o bordão “Que país é esse!?”, ressignificado na letra arrojada de Renato Russo, ícone da banda Legião Urbana.

Durante o impeachment do presidente Collor, em 1992, os “caras pintadas” foram às ruas entoando os versos da música “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso.

À época, a minissérie Anos Rebeldes, da Rede Globo, incitava o patriotismo da juventude.

No Maranhão, a música “Oração latina”, de Cesar Teixeira, incorporou-se às lutas e sonhos dos movimentos de esquerda que lutavam contra a oligarquia Sarney.

UFANISMO

Durante a ditadura militar, enquanto homens e mulheres eram torturados e mortos nos porões dos quartéis, os generais tentaram impor o hino nacional como mantra político no Brasil.

As músicas de inspiração nacionalista foram especialmente marcantes da Copa do Mundo de 1970, como “90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção”, “Esse é um país que vai pra frente”, “Eu te amo, meu Brasil”, associadas aos bordões publicitários do tipo “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

Os sons da ditadura disputavam os ouvidos, corações e mentes da população com as músicas recheadas de contestação ao regime militar, embalando os sonhos de liberdade e democracia na resistência aos generais.

2015: A VOLTA DO HINO

Na atualidade, os protestos contra a corrução no Brasil retomaram o hino nacional como mantra do conservadorismo e retrocesso.

O Brasil perdeu a criatividade e o refinado gosto musical que alimentou os protestos em outras épocas.

As multidões nas ruas, vestidas de verde e amarelo, cantam o samba de uma nota só – o hino nacional.

Se na campanha das "Diretas Já!" o hino nacional era um símbolo sonoro da democracia, agora serve para inspirar tresloucados pedidos de volta à ditadura.

Os protestos de 2015 revelam duas tragédias: pobreza política e miséria musical.

Coisa boa não é.

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