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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

OS TRÊS TRABALHOS DE HÉRCULES: DESAFIOS E ESTRATÉGIAS PARA ELEVAR O IDH DO MARANHÃO (o 2º Trabalho – O IDH/Renda)

Josemar Sousa Lima é economista, com especialização de Projetos de Desenvolvimento Rural Sustentável e Consultor do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA.

O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, lançado em 1990 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, originou-se de estudos realizados pelo economista paquistanês Mahbub Ul Hag e teve como objetivo explícito “Desviar o foco do desenvolvimento da economia e da contabilidade nacional para políticas centradas em pessoas”.

Para produzir o primeiro Relatório do Desenvolvimento Humano – RDH Mahbub reuniu um grupo seleto de economistas bem conhecidos, incluindo Paul Streeten, Frances Stewart, Gustav Ranis, Keith Griffin, Sudhir Anand e Meghnad Desai, mas foi o trabalho de Amartya Sem, sobre capacidades e funcionamentos que forneceu o quadro conceitual do trabalho. Hag tinha certeza de que uma medida única, composta pelo desenvolvimento humano, seria necessária para convencer a opinião pública, os acadêmicos e as autoridades políticas de que podem e devem avaliar o desenvolvimento não só pelos avanços econômicos, mas também pelas melhorias no bem estar humano.

A partir de 2010, o IDH passou a combinar as três mais significativas dimensões do desenvolvimento humano: Uma vida Longa e Saudável, O Acesso ao Conhecimento e Um Padrão de Vida Decente. Foram, então, desenvolvidos os três seguintes índices: IDH/Educação, IDH/Longevidade e IDH/Renda.

Faço esse enfoque inicial para mostrar os três grandes desafios que o governo, a sociedade civil e os empreendedores passam a ter a partir de 1 de janeiro de 2015, quando a nova administração do estado do Maranhão inicia uma cruzada para elevar os indicadores sociais que envergonham todos os maranhenses.

O Maranhão hoje é o vigésimo sexto no ranque nacional do IDH, só ganhando do desditado estado de Alagoas, também vítima da mesma doença cancerígena que atacou o Maranhão e o deixou em estado terminal na UTI, ou mais apropriadamente na sarjeta porque lá não existiam mais vagas para indigentes.

IDH/RENDA E COEFICIENTE DE GINI

O IDH/Total do estado do Maranhão situa-se na casa de 0,639, numa escala que vai de zero 0 (zero) a 1 (um), com status de médio desenvolvimento humano (0,600 a 0,699). O segundo mais baixo IDH setorial é o IDH/Renda, objeto de nossa análise neste artigo, o 27º (vigésimo sétimo) entre os estados brasileiros, atualmente na faixa de 0,612. Ai já se nota uma imensa contradição entre visões do que é efetivamente desenvolvimento no estado do Maranhão: pela medição do PIB somos a 16ª economia do Brasil, um estado beirando à riqueza, como afirmavam e festejavam os roseanistas; e pelos critérios de distribuição dessa renda entre a população, critério incorporado à metodologia do IDH, o Maranhão situa-se como um dos mais desiguais do Brasil, sendo assim um estado de população pobre.

Se em outros indicadores o estado apresenta alguma evolução desde o lançamento do 1º Relatório de Desenvolvimento Humano em 1991, o mesmo não acontece em relação a desigualdade de renda, medida pelo Índice de Gini, que evoluiu de 0,600, em 1991, para 0,620, no Relatório do Desenvolvimento Humano 2014. O Índice ou Coeficiente de Gini consiste em um número entre 0 (zero) e 1 (um), onde o 0 (zero) corresponde à completa igualdade de renda (onde todos têm a mesma renda) e 1 (um) corresponde à absoluta desigualdade de renda (onde uma pessoa tem toda a renda, e as demais nada têm).

Este índice mostra de forma clara o privilégio concedido a algumas poucas famílias maranhenses no acesso às riquezas do estado. Tenho um amigo médico que, numa conversa sobre essas mazelas, confidenciou-me que os 90% dos recursos da saúde recebidos no estado do Maranhão à época ficavam concentrados em uma rua de São Luís – aquela que então concentrava a maioria dos hospitais e clínicas particulares, a Rua do Passeio, atualmente essa concentração já apresenta variações, mas a lógica perversa ainda é a mesma.

No Índice de Desenvolvimento Humano – componente Renda – a dimensão “Acesso a um Padrão de Vida Decente” é medida no Brasil pela renda per capita, ou seja, a renda média de todos os residentes, dividida pelo número de pessoas que moram no estado do Maranhão, inclusive crianças e pessoas sem registro de renda, conforme dados do IBGE, sendo esses números apresentados pelo Maranhão, comparados com o estado do Rio Grande do Norte, que ocupa a 16º posição no ranking do IDH/Brasil.

Tomamos o estado do Rio Grande do Norte como parâmetro porque é a posição que o estado do Maranhão ocupa no ranking do Produto Interno Bruto – PIB e, talvez, onde pretenda chegar para conseguir o equilíbrio PIB e IDH.

CONCENTRAÇÃO DE RENDA

A renda é essencial para que a população possa acessar necessidades básicas como alimentação, água potável, habitação, energia elétrica e outros bens e/ou serviços, mas também para poder transcender dessas necessidades básicas rumo a uma vida de escolhas genuínas e exercício pleno de liberdades. A renda é um meio para uma série de fins e possibilita que a população ou o indivíduo possa fazer escolhas por alternativas disponíveis e a falta dela limita as oportunidades de avanços na melhoria das condições de vida.

Quando dissecamos a renda per capita auferida pelo cidadão maranhense verificamos que ela é uma das menores entre todos os estados brasileiros, situando-se na faixa de R$ 360,34, menos da metade do salário mínimo nacional, sendo que no estado do Rio Grande do Norte chega quase ao dobro e, além disso, é altamente concentrada. Um grupo de famílias maranhenses ricas, representativas de apenas 10% da população total se apropria de 50,06% de toda a renda gerada ou obtida pelo estado, ficando os demais 90% da população com apenas 49.04% da riqueza, gerando um raio de pobreza que se espalha por toda a zona rural do estado e pelas periferias das cidades sedes municipais. Quase a metade das pessoas ocupadas, com idade igual ou superior a 18 anos, 48.74%, tem rendimento mensal inferior ou igual ao salário mínimo e isso não podia ser diferente, tendo em vista o nível educacional da população economicamente ativa. Vimos isso no artigo anterior!

Temos no estado do Maranhão um dos maiores percentuais de pessoas extremamente pobres, 22,47%, sendo que no estado do Rio Grande do Norte é menos da metade, 10,33%. A vulnerabilidade da população à pobreza é de 63,58%, sendo que a perversidade da pobreza se expressa covardemente junto às crianças, já que a maioria delas, 53,43% são pobres e, pasmem, 77,47% estão vulneráveis à pobreza.

Alterar essa realidade é uma tarefa que exige visão estratégica e coordenada do Governo Estadual, da Sociedade Civil e do Mercado e, ainda, ações concretas vinculadas a uma Estratégia Geral. No artigo anterior sugeri quatro estratégias gerais onde as 65 Propostas do Plano de Governo fossem se incorporando pelo grau de inter-relação.

PROPOSTAS

Existe no Plano de Governo Flávio Dino -  2015/2018 um conjunto de propostas com sinergia suficiente para iniciar um processo de elevação do IDH/Renda, desde que elas sejam hierarquizadas em torno de uma estratégia geral, com um Projeto Âncora, com gestão específica e que seja monitorado e avaliado permanentemente.

Destaco, aqui, a proposta de desenvolver um Programa de Substituição de Importação, sustentado no pequeno empreendimento industrial e nos empreendedores individuais, voltado ao suprimento dos mercados locais e regionais, os programas de incentivo a modernização e adensamento da Cadeia Produtiva e Arranjos Produtivos vinculados à atividade Agropecuária, com ênfase da recuperação dos solos, criação intensiva de rebanhos e incorporação de culturas alimentares e florestais consorciadas ao pesto; à Pesca e Aquicultura, à Agricultura Familiar Consolidada, às Iniciativas Sustentáveis da Economia Solidária,  o aproveitamento econômico de energias alternativas (eólica, solar, maremotriz e de biomassa) no Maranhão, além das propostas de envolvimento das Universidades, Institutos Tecnológicos e Centros de Pesquisas que visem ao desenvolvimento de novas tecnologias e inovações tecnológicas no processo produtivo, bem como o aprimoramento e elevação do capital humano, capital social e capital empresarial empreendedor.

PRODUÇÃO FAMILIAR

A proposta de criação da Secretaria de Estado da Agricultura Familiar é louvável, mas não é inédita. O Estado já teve em sua estrutura administrativa essas duas secretarias e nada mudou. É essencial que paralelo à criação da nova secretaria seja elaborado participativamente um Plano de Revitalização da Produção Familiar do Maranhão, com objetivos, metas, recursos, estratégias, cronograma, apoio técnico e financeiro, incentivos, tecnologias, gestão, alianças estratégias e avaliação, adequadamente bem definidos e incorporados em um Projeto de Lei ou Medida Provisória, suprindo a falta de uma Lei Agrícola que o estado não possui até hoje.

Evidente que isso não elimina o apoio e importância que também necessita a Agricultura Empresarial, mas suas demandas estão em níveis mais elevados, como infraestrutura de transporte e armazenamento, medidas de proteção e recuperação do meio ambiente e zoneamento territorial. Tecnologicamente, na área agrícola, o Maranhão é um estado dos extremos!

Quando falo em produção familiar e não apenas agricultura familiar, refiro-me ao um arranjo meio mágico, dotado de um estoque de conhecimento acumulado deste os nossos primeiros habitantes, aprimorado pelos africanos e que permite que aproximadamente 300 mil famílias ainda consigam sobreviver autonomamente no campo. 

Esse arranjo tem seu núcleo na agricultura ou pesca artesanal, dependendo da região, e se complementa com atividades vinculadas ao extrativismo vegetal ou florestal, criação de pequenos e médios animais, agroindústria de beneficiamento e transformação, principalmente da mandioca, artesanato; aquicultura rudimentar, horticultura também rudimentar e aproveitamento sazonal de frutas dos quintais.

Essa atividade esquecida e relegada a uma coisa quase que marginal e sem capacidade competitiva pode ser um dos caminhos mais curtos para a melhoria das condições de vida da população rural, com a garantia inicial de segurança alimentar e nutricional e saltos posteriores para o mercado institucional e privado, além da manutenção dos postos de trabalho.

A produção familiar vive, entretanto, uma crise sem precedentes no seu equilíbrio econômico e ecológico, pela pressão demográfica nas áreas de cultivo até nas chamadas áreas reformadas, pelo esgotamento da fertilidade natural dos solos, agravado pela diminuição drástica da biomassa necessária à queima e produção de cinzas, o seu único adubo, e aumento da penosidade do trabalho causado pela necessidade de maior número de capinas anuais pela queima insuficiente. 

É urgente a necessidade de adoção de uma nova matriz tecnológica que preserve os saberes e garanta a eliminação do fogo e da itinerância, sem comprometer a produção tradicional de alimentos, principalmente, mandioca, arroz, milho, feijão, melancia, abóbora, quiabo, vinagreira, maxixe e outros produtos típicos da alimentação cabocla.

Esse parece ser um dos programas que merece tornar-se âncora em torno do qual outros projetos gravitarão, como Assistência Técnica e Pesquisa. Não tem sentido investir atualmente em assistência técnica se não houver uma mudança na matriz tecnológica, até porque agricultura de corte e queima o agricultor tradicional sabe fazer melhor do que o técnico. Uma nova assistência técnica, compartilhada com os municípios, para uma nova agricultura!

O Estado do Maranhão tem condições concretas de avançar na melhoria do IDH/Renda, desde que não encare a renda pela renda, mas a renda como fruto de um processo mais amplo que a dimensão econômica e que esteja umbilicalmente vinculado aos dois outros componentes do IDH/Total - o IDH/Educação e o IDH/Qualidade de Vida, este o Terceiro Trabalho de Hércules, que abordarei no próximo e último artigo da série.

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