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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

PIRATA E OUTROS GRILOS NO MARANHÃO


Pirata resgatado por dois secretários municipais. Falta tirar as crianças drogadas dos retornos
As redes sociais deram uma nova dimensão aos dramas humanos. Vez por outra, um episódio mobiliza as paixões em velocidade impressionante, fazendo até rever decisões administrativas de uma Prefeitura, por exemplo.

Foi o caso da remoção do fusca 83 da avenida Litorânea, onde o sem-teto Antonio Carlos da Silva, o Pirata do Calhau, improvisava sua moradia.

Pirata ficou famoso depois de ir às lágrimas diante do carro recolhido. As imagens do choro e o guincho ganharam as redes sociais rapidamente, acionando uma campanha de solidariedade com a hastag #ajudaopirata#

Deste episódio, tiram-se algumas reflexões.

HABILIDADE E OPORTUNISMO

A Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes (SMTT), atendeu a uma recomendação do Ministério Público e ordenou o guincho no fusca.

Mas, ao perceber que iria atrair uma onda negativa, diante da solidariedade ao Pirata nas redes sociais, o prefeito Edivaldo Holanda Junior (PTC) mandou inverter a pauta.

O que seria um desgaste – recolher o carro – transformou-se em um conjunto de providências para amparar o Pirata nos programas sociais e presenteá-lo com uma biana, barco típico do Maranhão, que vai servir de atrativo turístico na avenida Litorânea.

O prefeito foi habilidoso, mas ficaram em saia justa a secretária da Criança e Assistência Social, Andreia Lauande; e o secretário de Turismo, Lula Fylho, posando para a foto como papagaios de Pirata.

Fica a pergunta: qual a iniciativa da Semcas para as crianças drogadas e famintas nas rotatórias de São Luís?

RAZÃO E SENSIBILIDADE
O choro do Pirata mobiliza mais porque mexe com as paixões profundas
A segunda reflexão diz respeito à força das redes sociais em episódios corriqueiros descolados das grandes narrativas.

A solidariedade ao Pirata nas redes sociais é imediata, mas não se desdobra em uma visão crítica sobre o contexto do problema da moradia, da ocupação irregular dos espaços públicos, da mobilidade urbana e do desenvolvimento sustentável, por exemplo.

Ações imediatas na internet são típicas do comportamento pós-moderno, em que uma hastag individual rapidamente mobiliza o sentimento coletivo de solidariedade sem outros desdobramentos.

Em vez da fidelidade longa a uma causa transformadora da realidade, tem-se o apego rápido a várias causas sucessivas. Hoje foi o Pirata, amanhã pode ser um gatinho abandonado na porta do supermercado.

São Luís tem dezenas de meninos apodrecendo nos sinais de trânsito, lumpens dormindo e defecando na porta do Banco do Brasil (na praça Deodoro), palafitas para todos os lados, calçadas destruídas, ocupações irregulares de terrenos etc mas isso pouco mobiliza.

No geral, não há campanhas organizadas para acompanhar, por exemplo, as mudanças no Plano Diretor ou na Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano.

O drama individual, mesmo remetendo a uma situação coletiva, é mais apelativo. As pessoas oscilam entre a hipersensiblidade para uns casos e indiferença para outros.

PREFEITURA AGE, LOBISTAS REAGEM

O caso do Pirata é um recorte das ocupações irregulares no Maranhão.

A Prefeitura de São Luis, em parceria com o Ministério Público, vem realizando uma série de ações para disciplinar a utilização dos espaços públicos na cidade.

Demoliu as construções de bares irregulares no Barramar, derrubou uma aberração no Ipase e outra no retorno ao final da avenida Daniel de La Touche.

Essa iniciativa da Prefeitura é louvável e visa disciplinar o uso e a ocupação do solo urbano. As edificações fora dos padrões prejudicam os pedestres jovens e inviabilizam os idosos.

Porém, a pressão de alguns vereadores e outros grupos lobistas, padrinhos das construções irregulares, fizeram a Prefeitura recuar nas demolições e fiscalizações.

Ainda é muito pouco o que a Prefeitura vem fazendo, mas serve como alento, na cidade onde não há uma quadra completa com calçadas.

O MARANHÃO GRILADO
Denunciado amplamente na mídia, o muro no trevo do Araçagi nunca foi derrubado....
... ocupando uma área gigante que poderia ser uma praça ou quadra esportiva
Nem precisa ir longe para ver outros casos de grilagem dos espaços públicos que passam incólumes aos olhos do Ministério Público, das prefeituras, do Governo do Estado e da Justiça.

Na estrada Araçagi-Raposa um trevo inteiro foi murado e várias denúncias e apelos foram feitos para impedir a irregularidade, mas nenhuma providência foi tomada.

Por coincidência, o terreno grilado fica próximo do maior condomínio de luxo da região metropolitana de São Luís, da construtora Dhama.

Outra coincidência: a estrada do Araçagi está sendo duplicada, exatamente no trecho mais importante do acesso ao suntuoso empreendimento da Dhama.

Todos os dias ocorrem grilagem de terras e ocupações irregulares de áreas públicas, sem qualquer iniciativa dos órgãos fiscalizadores ou executores, nem campanhas na Internet.

O Pirata bicho-grilo deu sorte. Graças aos internautas.

Falta dar assistência aos refugos humanos das rotatórias da cidade, tão merecedores de ações do poder público quanto o maluco beleza da Litorânea.

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