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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

UMA POLÍTICA DOS AFETOS

Vladimir Safatle *


A verdadeira tarefa política é a reconstrução de nossos afetos. Inebriados por discussões a respeito de sistemas de normas e instituições, demoramos muito tempo para perceber que a política é, acima de tudo, uma questão de mobilização de afetos. Discursos circulam e levam os corpos a sentirem de uma determinada forma, a temerem certas situações.

A política é a arte de afetar os corpos e de levá-los a impulsionar certas ações. Devido a isso, nunca entenderemos nada das dinâmicas dos fatos políticos se esquecermos sua dimensão profundamente afetiva.

Por exemplo, não é difícil perceber como, nas últimas décadas, uma máquina de medo e ressentimento foi colocada em funcionamento.

Esses são, há tempos, os principais afetos que circulam no campo político. Medo do tempo que não conhecemos e que pode ser diferente do passado e do presente. Medo de ficar longe demais da segurança da "nossa terra", de ser assaltado, de ter sua propriedade violada, da morte violenta. Mas, principalmente, um ressentimento travestido de pessimismo prudente a respeito dos acontecimentos e da errância necessária à toda procura.

A política baseada no ressentimento é, de fato, algo a ser pensado. Talvez possamos dizer que, em política, o ressentimento é sempre o sentimento mobilizado contra a errância.

Quando um acontecimento ocorre, muitas vezes ele não instaura imediatamente uma nova ordem. Só em situações muito amadurecidas, e por isso mesmo muito raras, vemos essa passagem imediata de uma ordem a outra. Normalmente, acontecimentos são aquilo que instaura uma nova errância, com seus erros, suas perdas, seu tempo confuso.

Esse tempo confuso é, em certas situações, onde acontecimentos ocorrem "cedo demais", praticamente inevitáveis. Contra ele, o ressentimento sempre dirá: melhor que nada tivesse ocorrido, melhor ter ficado na situação passada, por mais que ela fosse insatisfatória, ou seja, vamos dar um jeito de voltar à antiga morada, mesmo que ela esteja em ruínas. Basta ver o que hoje lemos a respeito das revoltas no mundo árabe.

No entanto, esse tempo confuso produzirá sua própria superação, por mais que ela demore, por mais que refluxos ocorram, mas à condição de produzirmos novos afetos. Nesses momentos, cria-se uma divisão entre os que se voltam aos velhos afetos de sempre e aqueles capazes de adquirir uma nova confiança, uma nova força, mesmo quando o céu é turvo. Pois eles sabem que nunca haverá nova política com os velhos sentimentos de sempre.

· * Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às terças na Página A2 da Folha de São Paulo, da versão impressa.

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