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quinta-feira, 21 de março de 2013

SOBRE O AMIGO RAFAEL

por Eduardo Júlio

Conheci Rafael Bavaresco nos idos de 1997, quando ele, vindo do Rio Grande do Sul, aportou em São Luís, integrando a organização da mais famosa mostra do fotógrafo Sebastião Salgado, que rodava o país, em parceria com o Movimento dos Sem Terra. Na época, nos encontramos por acaso no extinto bar do seu Adalberto, lá na Praia Grande, e batemos um longo papo sobre pessoas importantes da cena cultural de Porto Alegre, incluindo Vitor Ramil, Edu K e a banda de rock De Falla, Nei Lisboa e, é claro, Mário Quintana. Por isso, ficamos amigos imediatamente, sem precisar de mais encontros ou acertos para consolidar isso.

A identificação e a confiança mútua se estabeleceram ali. Não foi difícil perceber a sensibilidade daquele coração, além da alma livre, ética e despojada, que irradiava desapego, como os budistas sonham.

Naquele ano, eu concluía o curso de comunicação e estava muito envolvido com fotografia. Pouco tempo depois, vendi a minha primeira câmera para Rafael, que tirou mais proveito do investimento do que eu. Logo, ele faria uma série de cartões-postais, nada óbvios, com temáticas do Centro Histórico de São Luís. Com a venda dos postais, ele conseguia completar a renda que obtinha realizando trabalhos em entidades do movimento social.

Mais tarde, Rafael compraria também a minha segunda câmera e se envolveria de vez com a fotografia afastando-se do jornalismo escrito. Enquanto ele apurava cada vez mais o olhar, conquistando a admiração de todos que o conheciam, eu chegava à conclusão que tinha pouco talento para a fotografia e passaria a me dedicar somente para o jornalismo impresso.

Em 1999, ele faria a minha foto registrada no livro XXI, do poeta Celso Borges, cujas demais imagens são de minha autoria. No mesmo ano, quando meu filho nasceu, eu o chamei para fazer o primeiro ensaio fotográfico do meu bebê. Rafael me visitou com o maior prazer e deixou uma carga de energia positiva para o meu filho recém-chegado ao mundo. Acho que fiquei devendo a retribuição desta cortesia.

Dois anos depois, exatamente no dia em que deixei o jornal O Estado do Maranhão, na minha curta passagem por lá, Rafael me avisou de uma vaga em O Imparcial, onde ele estava trabalhando. Durante um mês, eu cobriria as férias de um colega.

No ano seguinte, voltaria para O Imparcial e Rafael manteria uma grande parceria interna com a equipe de cultura. Eu, Ernildo e José Siqueira, ao lado dele, aprontamos muito em coberturas noturnas de shows e espetáculos diversos. Isso, sem falar dos alegres encontros boêmios que mantínhamos semanalmente na Praia Grande, longe dos compromissos de trabalho. Pouco depois, todos sairiam do jornal e eu ficaria praticamente sozinho no caderno de cultura, vendo o tempo passar, sem o amparo da antiga turma.

Impossível esquecer algumas viagens que fizemos juntos para Alcântara. Numa delas, fomos curtir a Festa de São Benedito e, como tínhamos pouca grana, terminamos disputando redes na praia, ao ar livre, na área da Pousada dos Guarás. Hoje em dia,  este ato seria, em vez de ousado, inconsequente.

Noutra, cobrimos informalmente uma marcha do Movimento dos Sem Terra até a Base de Lançamento de Foguetes e, ao contrário do que pensávamos, nós, meio beatniks meio párias, fomos muito bem recebidos pelo alto escalão da Aeronáutica, que nos convidou de maneira cordial para um tour por dentro da base. Eu olhava para Rafael e morria de rir daquela situação inusitada, dentro da van da Aeronáutica. Jamais esperávamos o tratamento vip dispensado naquela ocasião pelos militares

Também não esqueço de um carnaval que brincamos e nos divertimos pra valer com uma turma de amigos, no auge da retomada das brincadeiras de rua de São Luís, no ano de 2003. Depois dessa época, nos afastaríamos temporariamente, como acontece com quase todos, que precisam se dedicar à família. Rafael casou com Náthaly e teve um filho lindo.

No último aniversário que comemorei com festa, em 2005, convidei ele para fazer o registro fotográfico da brincadeira realizada na antiga Casa Portuguesa, lá na Praia Grande. Não sei por quais razões, ele não entregou as fotos. Mas eu nunca liguei. A presença do amigo foi mais importante.

Depois que voltou para o Rio Grande do Sul, passamos a nos encontrar por e-mail. Ano passado, ele me contou que estava doente e aí passamos a nos falar periodicamente por telefone. Era a forma que tinha de oferecer um pouco de amparo ao amigo. Por aqui, a pedido dele, mantive sigilo sobre o assunto.

Há duas semanas, falei pela última vez com Rafael. A voz do amigo já estava bastante debilitada, mesmo assim, parecia sorrir ao telefone. Percebi o esforço que ele fazia para falar e, com os olhos cheios de lágrimas, disse: “Descanse Rafael, você precisa”. Ao contar o fato para uma amiga em comum, ela refletiu: “Às vezes penso, que as pessoas boas deixam este mundo primeiro”.

5 comentários:

Joedson disse...

Uma das lembranças que tenho de Rafael foi de uma conversa em que ele falou da vontade de um espaço em São Luís para pessoas que gostassem de fotografia. Seria uma casa para fotógrafos se encontrarem, para exposição ou mesmo para baterem papo sobre o tema. Estávamos eu, ele, Eduardo. Nem sei se Eduardo se recorda. O cara era do bem, cheio de ideias bacanas!

helder Passos disse...

Essas experi~encias nos deixam tristes e com uma sensação de incapacidade, mas ao mesmo tempo nos lembram de uma vida vivida e compartilhada regada de amizade e fraternidade. O tempo cronológica em que se fez não importa muito, importa mais a sua intensidade.

Mirna disse...

O Rafa transbordava leveza,as pessoas gostavam dele,era inevitável.

Ernildo Santos disse...

Essas lembranças Eduardo vão permanecer em nossas mentes e coração e vão ajudar a eternizar (junto com as belas fotos) a memória desse amigo querido. Ernildo

Anônimo disse...

Também tive a oportunidade de conhecer o Rafa Bavaresco e sua esposa, em idos de 2009 á 2011, tivemos diversos contatos, ele fadados por seus ideias culturais, viajou algumas vezes comigo ppara conhecer no interior de Cachoeira do Sul a comunidade quilombola de onde és minha origens, em outra ocasião ele, sua esposa e eu e também minha esposa fomos junto no carro particular dele de Cachoeira do sul á cidade capital Porto Alegre presenciar uma audiencia publica na Assembléia Legislativa do Estado que pautava a questão quilombola, não me recordo bem o dia, mas sei que no ano 2012 e me encontrou em umas das avenidas de Cachoeira do sul aonde residia e batemos um bom papo depois me levou até a rodoviaria aonde eu parti em viagem, desde então nunca mais a vi, por varias vezes tentei localizar ele no facebook mas sem sucesso, hoje dia 23 de abril de 2013, voltei a busca, por irronia do destino, localizei neste Blogue noticias do meu amigo "sumido" confesso que estou triste por saber que está doente e perdi os contatos com ele, " A GENTE QUE TANTO PELA PRESERVAÇÃO DA ARTE, DO ABRILHANTAR DE UM MODO GERAL DA DIVERSIDADE CULTURAL DESSE PAÍS POR ORA SOMOS CEIFADOS SURPREDENTEMENTE" as vezes só nos resta o alento, a dor e a infelicidade de convivermos até a derradeira com mazelas jamais acreditaveis, " FORÇA RAFA, DEUS EXISTE E O BEM AINDA É MAIOR QUE O MAU E OS MALEFICIOS DESSE PLANTETA. Certas vez contribui com alguumas entrevistas e depoimentos em prol do trabalho do Rafa, " é como dizia meu finado vó que faleceu com mais de 90 anos, AS PESSOAS PARTEM, MAS AS BOAS IMAGENS FICAM PARA SEMPRE.