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domingo, 20 de junho de 2010

FOME DE COERËNCIA - O GESTO DE MANOEL DA CONCEIÇÃO

Wagner Cabral da Costa*

“Os valores do PT não podem ser negociados. Devem ser reafirmados como princípios da reconstrução partidária e ideal dos movimentos sociais” (Manoel da Conceição).

Muito tem se falado sobre a greve de fome, iniciada em 11 de junho, do fundador do PT, Manoel da Conceição, do deputado Domingos Dutra e da ex-deputada Terezinha Fernandes, contra a intervenção do Diretório Nacional que revogou a decisão estadual de apoiar Flávio Dino (PCdoB) para governador do Maranhão, aprovando, em substituição, o nome de Roseana Sarney (PMDB).

Parcela expressiva da opinião pública e da imprensa tomou contato (quase) pela primeira vez com a pessoa de Manoel da Conceição. Afinal, quem seria esse “desconhecido”, esse Mané, que ousou desafiar, em gesto radical, a direção do partido no poder e a Presidência, em mais uma capitulação cínica diante da mais velha oligarquia da República?


Filho de lavradores do vale do rio Itapecuru, Manoel vivenciou experiências que lhe propiciaram uma sólida convicção ética, humanista e socialista, de dedicação à causa dos trabalhadores.

A começar, ainda na juventude, pela expulsão de sua família por proprietários rurais, violência presenciada ainda em inúmeros outros massacres; depois, a migração em busca de “terra liberta”; a crença evangélica e o início da militância; o envolvimento com o Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à Igreja progressista; o engajamento na Ação Popular (AP) e a luta pelas Reformas de Base; até o golpe de 1964, quando sofreu as primeiras prisões.


Durante a ditadura militar, Mané se dedicou à organização e educação de trabalhadores rurais na região do rio Pindaré em sua luta contra o latifúndio e pela conquista da terra.

Foi alvo de violenta repressão da polícia militar do governo José Sarney (1966-70), sendo baleado e preso em julho de 1968, ocasião em que teve parte da perna direita amputada por falta de atendimento médico. Na seqüência, foi preso pela polícia política (1972) e dado como “desaparecido”, quando foi submetido a sessões de interrogatório e tortura, sendo solto graças à intervenção da AP e da Anistia Internacional.

Liberdade breve, pois, mais uma vez, os militares o prenderam, desta vez em São Paulo, com mais torturas e sevícias (1975). Novamente a solidariedade – da Anistia e das Igrejas católica e protestante – conseguiu resgatá-lo das mãos assassinas da ditadura, com o que Manoel partiu para a Suíça (1976), onde permaneceu até a decretação da Lei da Anistia (1979).


No exílio, lançou o livro-denúncia Essa terra é nossa, contando sua história de luta pela reforma agrária e de resistência à ditadura, uma leitura necessária e fundamental para compreender os “anos de chumbo”. Livro que acaba de ser reeditado pela UFMG (com o título: Chão de minha utopia), através do Projeto República, com o apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

A ironia não podia ser mais evidente: o mesmo governo petista que, por um lado, promove o resgate de sua memória e história; por outro, lhe recusa o direito de, aos 75 anos, continuar sendo um militante ativo das lutas sociais e políticas – defendendo a democracia interna do partido e a democratização do Maranhão contra a oligarquia patrimonial e golpista. Que resposta obteve Manoel após lançar duas cartas abertas ao companheiro e presidente Lula?


Esse silêncio, no entanto, inexistia em fevereiro de 1980. Pois, na fundação do Partido dos Trabalhadores se pretendeu vinculá-lo organicamente às diversas tradições de luta do povo brasileiro, sendo convidados seis signatários que representavam simbolicamente essas vertentes da esquerda:

1) Mário Pedrosa, escritor, crítico e líder socialista;

2) Manoel da Conceição, líder camponês;

3) Sérgio Buarque de Holanda, historiador;

4) Lélia Abramo, do Sindicato dos Artistas de SP;

5) Moacir Gadoti, que assinou em nome do educador Paulo Freire; e

6) Apolônio de Carvalho, combatente na Guerra Civil Espanhola e na Resistência Francesa, um dos líderes dos movimentos da resistência popular (Ata da reunião no Colégio Sion – site da Fundação Perseu Abramo).


Dos personagens-símbolo da identidade e dos valores do PT, o único que permanece vivo é Manoel da Conceição Santos, marido amoroso, pai e avô dedicado, brasileiro nascido em 1935 no distrito de Pirapemas, em Coroatá, Maranhão.

Era esse “desconhecido”, esse Mané, que se encontrava em greve de fome no plenário da Câmara dos Deputados. Por cima de quantos cadáveres (reais e simbólicos) o PT terá que passar em seu processo de transformação em Partido da Ordem?


Ps.: Poucas horas após o fechamento deste artigo, Manoel da Conceição e Domingos Dutra foram internados inconscientes em Brasília, com risco de vida. A situação forçou o Diretório Nacional do PT a fazer um acordo pelo qual os petistas maranhenses ficaram liberados de apoiar a oligarquia Sarney e ter campanha independente em favor de Flávio Dino. Este acordo encerrou a greve de fome, após uma semana, em 18 de junho de 2010, continuando ambos sob cuidados médicos.

* Wagner Cabral da Costa é Historiador e professor da UFMA. Autor de “Sob o signo da morte: o poder oligárquico de Vitorino a Sarney” (2006); co-organizador de “A terceira margem do rio: ensaios sobre a realidade do Maranhão no novo milênio” (2009). Este artigo foi publicado no jornal O Estado de São Paulo, suplemento Aliás, domingo, 20 de junho de 2010.

2 comentários:

Grupo Beatrice disse...

Sugestão de leitura:
PEQUENA BURGUESIA RADICAL
http://grupobeatrice.blogspot.com/2010/06/pequena-burguesia-radical.html

Comentário:
Nós também temos as nossas Heloísas aqui no Maranhão.
O PT mudou, Lula mudou, e quem está vivo tem que mudar, tem que aprender a superar seus limites e suas dores. Todo mundo tem suas perdas, tem suas mágoas. Mas ninguém pode viver apenas para o seu umbigo. Se Lula ficasse concentrado apenas na sua vida não faria o governo que está fazendo. Essa pequena burguesia radical, incapaz de conviver com projetos maiores e que só aceita jogar quando é a dona da bola, nunca conseguiu construir nada de melhor para o povo brasileiro. Muita bravata e pouca ação, pouco fazer. Conselho para essa gente que tem fixação no Sarney (Freud explica), saiam do PT e fundem o PFS, o Partido do Fora Sarney. Não há o que temer, se vocês estiverem certos o sucesso virá. O problema vai ser descobrir o que fazer depois que o Sarney morrer, mas sempre é possível achar um novo objeto do desejo.

Jorge Furtado disse...

Caro Ed,

SE isso abaixo que saiu no blog do ZE dirceu for verdade.Essa fala do Flávio(pisou na bola), foi Dilmais.

Um papelão ridículo
Publicado em 21-Jun-2010

É como se pode classificar a abertura ampla, geral e irrestrita que o candidato a governador do Maranhão, deputado Flávio Dino (PC do B) estabeleceu para os partidos que quiserem integrar sua coligação e dar um palanque no Estado ao candidato da oposição a presidente da República, José Serra (PSDFB-DEM-PPS).

A única condição para se integrar à sua coligação, explicou Flávio Dino, é que o partido queira mudar a política no Maranhão e concorrer à eleição de outubro em oposição à governadora Roseana Sarney (PMDB).

É uma posição de incoerência, também. Nós fomos oposição a Roseana enquanto o PC do B do deputado participou de seus oito anos de governo anteriores; nós apoiamos Flávio Dino para prefeito de São Luís em 2008 enquanto o grupo de petistas que hoje o apóiam como candidato a governador fez campanha para João Castelo, que se elegeu prefeito da capital maranhense pelo PSDB.

Sem contar que a campanha do tucano Castelo contou com todo apoio do então governador do Estado, Jackson Lago (PDT), há muito aliado do PSDB do Maranhão. E é com Lago que Flávio Dino agora negocia para se aliarem e dar um palanque a Serra, e se for o caso, um dos dois retirar a candidatura ao governo maranhense