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sábado, 1 de maio de 2010

BESAME MUCHO

Marcio Carneiro *

O grande desafio para sedentários que começam a fazer atividade física não é perder peso, andar ou correr não sei quantos quilômetros ou conseguir índices olímpicos.

O difícil é levantar todo dia de manhã e continuar.

Se você se impuser metas muito difíceis, pode até fazer bonito no início, mas uma certa impaciência vai acabar aparecendo. Se você se medir ou pesar toda hora, atrás de resultados que normalmente não vem tão rápido, um belo dia você pára e não volta tão cedo.
Por isso, é preciso estabelecer novos motivos para caminhar.

Tudo bem, você já se consultou, fez seu check-up e ouviu (talvez não pela primeira vez) os saudáveis conselhos do seu médico. Então esqueça o índice glicêmico, o colesterol, os triglicerídeos e todos aqueles nomes dos quais você não tem boas lembranças.

Se estiver fazendo atividade física, eles provavelmente estarão indo na direção certa, mais cedo ou mais tarde.

Para evitar recaídas comecei a andar para observar plantas e pássaros. Mesmo não estando na selva, e sim caminhando na Avenida Litorânea e suas proximidades, é interessante ver a enorme variedade disponível e seus hábitos – dos pássaros – já que os das plantas, que também devem existir, são mais reservados.

Entretanto, mesmo não estando ali para isso, é inevitável também observar as pessoas, de todos os tipos e índices de massa corporal que passam perto de você.

A variedade é grande. Há senhores e senhoras de idade, garotões e menininhas em plena forma, casais apaixonados e entediados, crianças e, é claro, gordinhos em busca da redenção. Por isso nem se preocupe com sua atual condição física, sempre vai ter alguém em pior estado que você, e a maioria não está nem ligando pra isso. O negócio é estar ali.

A observação das pessoas já me trouxe alguns momentos muito instrutivos.

Logo no início, ao retornar pra casa, subindo uma ladeira quase intransponível, até para carros, ouvi a pouca distância alguém cantando baixinho.

Prestei atenção com o resto de mim que ainda podia controlar e vi uma senhora já na terceira idade que subia a mesma ladeira cantando Besame Mucho, como se estivesse num salão de baile e aquela montanha russa disfarçada de via pública praticamente não existisse.

Há muitos outros tipos legais também. Há o senhor que passa pela gente em sua corrida e cumprimenta a todos sem conhecer. Há a senhora que diariamente caminha com sua sombrinha e de acordo com o estado do céu informa: “chuva” , “sol”, apontando para o alto e sempre também me dando bom dia.

Há os amigos que encontramos e que nos incentivam e também um senhor, de pelo menos uns sessenta anos, que corre como um maratonista segurando uma garrafinha de água e com uma pequena toalha no pescoço. Espero chegar na idade dele daquele jeito.

Os bares tocando música brega às sete horas da manhã são uma diversão a parte. Outro dia ouvi uma letra mais ou menos assim: “Ela é independente, independente demais. Quando perde a cabeça, bebe até cair pra trás.”

Também presenciei a conversa do casal onde a moça, meio que sem jeito explicava ao namorado com voz tímida: “ olha, eu ando na viatura porque eu trabalho até às 4 da manhã. É só isso viu ….” .

Explicar uma carona no camburão não é fácil. Enfim, são pérolas inesquecíveis que vou levar por todos os caminhos que ainda puder percorrer nessa vida.

Mas há também os exemplos emocionantes de pessoas que sofreram algum tipo de ataque cardíaco ou derrame e estão em recuperação. Me lembro bem que há alguns anos, quando estava em outro ciclo de andarilho, sempre via um senhor que caminhava no mesmo lugar que eu, usando ainda uma muleta pra apoiar uma das pernas visivelmente afetada pelo problema.

Ele andava com grande dificuldade e quando eu o via achava até arriscado ele estar ali daquele jeito. Nesses meus dias de agora também o encontro de vez em quando, sem a muleta, caminhando com muito mais desenvoltura do que antes, apesar de ainda demonstrar que ainda há muito a fazer.

Vejo sempre outros como ele, também dando um passo de cada vez, depois de terem chegado bem perto de um abismo que tantos não poupou. São os mais assíduos e dedicados e o que mais me impressiona não é o fato de estarem caminhando, provavelmente por recomendações médicas, mas sim por estarem ali recomeçando quase que do zero, guiados por uma decisão irremediável de lutar por sua vidas e não se entregar.

É neles que penso quando dá uma preguiça. A força deles me ajuda a levantar.

E ai, começo a ouvir Besame Mucho, tocando dentro de mim, para mais um dia de caminhada.

* Marcio Carneiro é professor do Curso de Comunicação Social da UFMA

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Um comentário:

Rosana Barros disse...

Muito bom esse texto. Já estou me imaginando daqui uns dez anos na mesma situação. Abraços