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quinta-feira, 13 de março de 2008

Inv(f)erno e esperança


Se eu tivesse um pincel gigante, coloriria a abóbada celeste nos dias nublados. Tenho aversão aos dias modorrentos do inverno, quando não faz sol nem chove, ficando no ar aquela angústia da inexistência: o céu cinza. Está no livro do Apocalipse: serás quente ou frio; se fores morno, serás vomitado. Deus devia levar ao pé-da-letra essa máxima e conversar com São Pedro para evitar os dias nublados.


O inverno tem desses incômodos. Surgem as doenças respiratórias e tropicais, as baratas e os ratos afloram dos esgotos, dá mofo nas roupas, as enxurradas carregam o lixo e entopem os bueiros, as pistas ficam escorregadias e as tragédias aumentam. O inverno é o prenúncio do inferno para muita gente.


Mas outras tantas pessoas gostam e precisam das chuvas. Na agricultura, na política energética, para os taxistas e vendedores de sombrinhas... a chuva é essencial. Como é prazeroso ver uma roça frutificando, com as folhas orvalhadas pela manhã, reluzindo nos primeiros raios de sol após uma noite fria.


Porém, quando chove muito na madrugada, com relâmpagos, penso nos pescadores de São José de Ribamar, em suas bianas frágeis, de velas cor de barro escuro, enfrentando os temporais. Boa para uns, ruim para outros. Assim é a invernada.
Legal mesmo é chuva forte e sol radiante no dia seguinte. Só não vale é chuva seguida de tempo nublado. Após a tempestade, gosto de ver o céu azul forte enxugando a vida. Devia ser assim o clima ideal.


O inverno proporciona também espetáculos estéticos. Como há beleza nos musgos impregnados nas ruinas da cidade velha. O limo vigoroso espalha-se nas paredes dos casarões, regenerando as rugas deixadas pelo tempo. E dos telhados antigos, manchados de preto e verde, pendem dos beirais as ramas em estripulia.


Adoro apreciar os dias de chuva no centro histórico de São Luís. Um café preto, um cigarro e pode deixar a chuva correr pelos paralelepípedos. Deleito-me com as recordações da infância: banho de bica, barquinho de papel, pelada na rua, sono bom depois. Tempo que não volta mais. Falando em tempo, a moça com passo apressado corre do chuvisco para não molhar a chapinha do cabelo. Se cair um pingo d’água, é um alvoroço. Nela e no cabelo. Mas, elas têm outros atributos.


Um dos espetáculos mais interessantes é observar, nos dias de frio, o desfile dos bicos dos seios eriçados das mulheres. Empinados e pontiagudos, mandam a gente seguir em frente. É como se apontassem o caminho da felicidade, a trilha do paraíso, o “norte” da revolução. Isso sim é um sinal poderosamente indicativo de que ainda há esperança nesse mundo.


Falando nisso, está em moda dizer que a esperança é agora. Concordo, pois o melhor de tudo no inverno é o aconchego. Ainda está por vir uma ambientação mais romântica que olhar a chuva pela vidraça da janela, tendo sobre a mesa uma garrafa de vinho, uns petiscos, música de Thelonious Monk, Billie Holiday e Cesaria Évora no embalo da rede e a companhia do seu amor. O inverno é todo felicidade.


Inverno, água, abundância, amor, fertilidade, aventura, viver perigosamente....eis a sina do mês de março. E que venha logo o Sábado de Aleluia com suas fogueiras para espantar os dias nublados e reacender a chama da esperança cotidiana. Enquanto isso, vou juntando palavras e pincelando no pensamento esses pesados dias cinzentos.

6 comentários:

Anônimo disse...

Você já esta na minha lista de favoritos. A pagina ficou ótima e testarei agora a facilidade para comentar.Parabéns por este novo espaço de jornalismo sério e inteligente.

Rose Frazão
Setorial de Mulheres do PT

Unknown disse...

Olá meu eterno professor, tudo que você escreveu é verdade. Eu sorri muito quando estava lendo, o pior de tudo é que com a correria da vida quase não percebemos esses ricos detalhes que você menciona. Mas sabe qual é o melhor de tudo isso? Pra quem tem uma costela em casa, às vezes mesmo estando zangados esse tempo meio úmido une os dois que é uma beleza. Experiência própria, rsss.Está muito linda a sua CRÔNICA. Um grande abraço!

Anônimo disse...

Adorei. Um lado de Ed. que eu não conhecia.Um Ed.sem as siglas parlamentares, sem os pemedebistas, petistas ou qualquer outro "ista". Um texto suave como cheiro de saudade. Adorei, muito.
Beijos
Marcela Barros.

Anônimo disse...

Que inspiração meu companheiro. Como vc anda com o romantismo à flor da pele nessas últimas semanas, será que é algo em especial? Um desejo de mudança emana dessa sua alma? Muito belo esse ensaio, principalmente no que reporta sobre as mulheres que deixam com que os seios mostrem toda a sensualidade feminina. Um grande abraço meu camarada, um grande abraço petista.

Anônimo disse...

Põxa Ed, que nostalgia boa. No meio desse "turbilhão" político, você não deve perder essa sua essência...te conheci assim.
Adorei o texto, lembrei-me dos meus dias de chuva lá no interior...totalmente diferente dos da capital! Beijos rsrsrs

Francy

Anônimo disse...

Parabéns Amigo e Professor Ed, por mais este espaço disponibilizado para nós com muita cultura.